É provável que você nunca tenha ouvido falar em Kostrzyn nad Odrą, localizada na fronteira da Polônia com a Alemanha. A pequena cidade de 20 mil habitantes costuma levar uma vida pacata, sem muitos turistas – exceto pelas 700 mil pessoas que invadem o local uma vez ao ano. O motivo? Um festival de música gratuito chamado Woodstock.
Como você já deve imaginar, ele é inspirado no Woodstock original, que ocorreu nos Estados Unidos em 1969. Ironicamente, por problemas jurídicos com o festival norte-americano, o evento polonês passou a se chamar Pol’and’Rock Festival em 2018.
No entanto, o nome Przystanek Woodstock (“Estação Woodstock”) continua sendo usado pelos fãs. E não é para menos: o festival acontece desde 1995 sob o lema “amor, amizade e música”, e, mesmo com o grande sucesso, mantém-se fiel aos seus princípios.
Por que o Pol’and’Rock é tão especial?
O Woodstock é o maior festival não-comercial da Europa. Em agosto deste ano rolou a 25ª edição, e os números são impressionantes: foram três dias com mais de 100 shows e 200 workshops para um público de 700 mil pessoas.
No line-up estiveram nomes de peso, como Prophets of Rage, Ziggy Marley e Gogol Bordello. No entanto, vários artistas poloneses sempre recebem seu merecido espaço nos cinco palcos do evento – entre eles, músicos novatos, que ganham a chance de tocar através de uma competição promovida pelos organizadores.
Um festival para todos
Como mencionamos, o Pol’and’Rock é inteiramente gratuito – e isso inclui o acampamento. Aqui não há grades, cercas ou área VIP. Basta trazer sua barraca, encontrar um lugar, montá-la e aproveitar. Há banheiros químicos por todos os lados, chuveiros, um supermercado Lidl e várias barracas que vendem comidas e bebidas a preços bem justos. Uma cerveja de 0,5 l, por exemplo, custa apenas 4 zlotys (aprox. R$ 4).
Acima de tudo, o Woodstock é diferente porque os festivaleiros realmente abraçam os seus ideais. Por isso, é difícil ver brigas, mesmo nas filas ou diante dos palcos; e não faltam pessoas prontas para dar uma informação, ajudar a montar a barraca ou mesmo dividir a comida.
Esse ambiente amigável e seguro faz com que famílias se sintam à vontade no festival. Logo, não é raro ver crianças pequenas correndo pelo acampamento ou se refrescando em piscinas infláveis enquanto os pais fazem um churrasco.
Como não poderia ser diferente, os festivaleiros com necessidades especiais também contam com o apoio da organização. O local oferece banheiros acessíveis, plataformas em frente aos palcos e intérpretes de língua gestual.
Quem organiza tudo isso?
Jerzy Owsiak, ou Jurek, é a pessoa por trás do Pol’and’Rock. Se você for ao festival, pode vê-lo subindo ao palco entre apresentações para dar recados e animar o público. Ele é também o fundador da maior ONG polonesa, a Wielka Orkiestra Świątecznej Pomocy (“Grande Orquestra de Caridade de Natal”) ou WOŚP, que doa equipamentos para hospitais e financia cursos e programas médicos.
O que uma ONG tem a ver com isso? Bom, o Woodstock foi criado por Jurek como um agradecimento aos voluntários da WOŚP. O dinheiro do festival vem de patrocinadores, a equipe é voluntária e todos os lucros do evento são doados para a organização.
É por isso que o Pol’and’Rock vai muito além da música e abre as portas para dezenas de ONGs, que apresentam seu trabalho e oferecem workshops aos festivaleiros. Tudo isso em um espaço bastante especial.
A Academia da Mais Bela das Artes
Em um morro com vista para o palco principal está a Akademia Sztuk Przepięknych (ASP), um lugar de aprendizado e troca cultural. A Academia da Mais Bela das Artes, em tradução literal, é onde os festivaleiros podem participar de discussões, cursos, e saber mais sobre as ONGs e suas missões.
Na ASP, é possível entrar em contato com figuras públicas, como autores, ativistas, líderes religiosos, políticos e artistas. Há também sessões de yoga, aulas de artesanato, shows de jazz, números teatrais e de comédia. Ta aí algo que você certamente não verá em qualquer festival.
A organização ainda promove outras iniciativas, como doações de sangue e registro de doadores de medula óssea. Só em 2019, foram 756 litros de sangue coletados e 1.013 doadores de medula cadastrados.
Música e ativismo andam lado a lado no Pol’and’Rock. Infelizmente, é exatamente isso o que ameaça a sua existência.
Vivendo cada ano como se fosse o último
Nem todo mundo gosta do engajamento social do Woodstock. E essa resistência vem de cima: “Todo ano nós ficamos impressionados como o Estado tenta tornar a organização do festival a mais desafiadora possível”, disse Jurek Owsiak em uma entrevista ao site Pollstar.
Segundo ele, o governo não só tentou impedir que mais trens fossem colocados à disposição do festival, como queria interditar a estação principal de Kostrzyn nad Odrą. Exigências em relação à segurança e atendimento médico também são cada vez maiores, mesmo que o festival sempre tenha cumprido bem esse papel.
Desde 2015, a Polônia é governada pelo Lei e Justiça, um partido conservador nacionalista. Owsiak não entende como um governo pode ter problemas com um festival que representa “uma ilha de liberdade e tolerância”, mas essa tensão sempre faz do futuro do Pol’and’Rock uma incógnita.
Todavia, isso não desanima Jurek, e as datas da próxima edição do autodenominado “Festival Mais Lindo do Mundo” já foram anunciadas: de 30 de julho a 1º de agosto de 2020. A gente torce para que o Pol’and’Rock ainda tenha muitas décadas de vida.
Nossos mais sinceros agradecimentos à equipe do festival por ter disponibilizado as imagens para este artigo. E quem tiver interesse pode acompanhar o Pol’and’Rock e a WÓSP no Facebook.