É possível afirmar, sem medo de parecer bairrista, que o Carnaval brasileiro é o melhor do mundo. Porém, essa tradição não foi criada aqui, mas sim trazida pelos portugueses no século XVI, quando a data já era celebrada em vários países da Europa. E você sabia que um dos maiores e mais antigos é o Carnaval de Colônia (Kölner Karneval), na Alemanha?
Todos os anos, Colônia recebe cerca de 1,5 milhão de turistas para as festividades, principalmente belgas, franceses e neerlandeses. Esse número é ainda mais incrível se considerarmos que a população local é de pouco mais de um milhão de pessoas.
Quem pensa que o Kölner Karneval é desanimado, se engana. Há foliões (Jecken, na Renânia) de todas as idades, que celebram dia e noite, e muitos deles levam a festa bem a sério. Conheça melhor o Carnaval de Colônia.
Afinal, é Karneval, Fastnacht ou Fasching?
Quem procura sobre o Carnaval na Alemanha pode acabar se deparando com três nomes diferentes:
– “Karneval” é usado na região da Renânia e, assim como o nosso “carnaval”, vem do latim, possivelmente de “carne vale” (“despedida da carne”) ou de “carne levare” (“afastamento da carne”);
– “Fastnacht” é usado no sudoeste da Alemanha e vem do alemão “Nacht vor dem Fastenzeit”, ou “a noite antes do período de jejum”.
– “Fasching” é o nome usado na Bavária e vem do alto-alemão médio “varschanc”, que seria algo como “a última bebida antes do jejum”.
Todos os nomes se referem à Quaresma, período de jejum que começa na Quarta-feira de Cinzas e se encerra na Quinta-feira Santa, totalizando 40 dias (não se conta os domingos). Tanto no Brasil quanto na Alemanha, o Carnaval está ligado ao catolicismo, e, por isso, suas datas mudam todos os anos, já que são calculadas retroativamente de acordo com a Páscoa.
Semelhanças e diferenças em relação ao Carnaval do Brasil
O Kölner Karneval tem algumas similaridades com o nosso Carnaval. Para começar, todos se fantasiam e celebram nas ruas, ainda que seja inverno na Alemanha e as temperaturas possam chegar a abaixo de zero. E se nós temos os bloquinhos e as escolas de samba, os alemães têm os Karneval Vereine, ou clubes de Carnaval, que desfilam pela cidade com carros alegóricos e cantando marchinhas em Kölsch, o dialeto da cidade.
Carnaval em novembro
Outra particularidade do Carnaval de Colônia é que ele sempre começa no dia 11/11, às 11:11 da manhã. Ou seja, meses antes da principal semana de festa, que ocorre nos mesmos dias da celebração brasileira, os colonianos têm um dia inteiro de farra.
Há várias teorias a respeito dessa fixação com o número 11. Uma delas diz que o 11 é irreverente, pois está entre os números sagrados 10 (redondo, exato, e dos Mandamentos) e 12 (número de Apóstolos e de meses no ano). Assim, o 11 seria infame, inexato, e, por isso, perfeito para uma festa subversiva como o Carnaval.
Porém, é mais provável que a data tenha a ver com o Dia de São Martinho, que cai no mesmo dia, e, antigamente, marcava o início do jejum até o Natal. Logo, o Karneval seria uma forma das pessoas se divertirem antes de abdicarem totalmente à carne e ao álcool, assim como fazem na Quaresma.
A propósito, 11 é também o número das “Leis Básicas de Colônia”, e o número de “gotas” no brasão de armas de Colônia. Essas últimas, por sua vez, simbolizam a lenda de Santa Úrsula, padroeira da cidade, que teria morrido com suas 11 virgens quando Átila e os hunos conquistaram Colônia, no ano de 363.
O Rosenmontagszug
No Carnaval de Colônia, o dia mais importante é a segunda-feira. Nesse dia, desde 1823, ocorre o maior desfile de carros alegóricos, o Rosenmontagszug, onde cerca de 12 mil pessoas se apresentam e arremessam mais de 300 toneladas de doces para os foliões. Aliás, eis outra particularidade do carnaval alemão: as pessoas gritam “Kamelle” (palavra derivada de “caramelo”) e ganham quitutes dos Vereine.
Carnaval divertido, mas também crítico
Celebrado na cidade desde a Idade Média, o Kölner Karneval foi proibido várias vezes – inicialmente pela Igreja, depois pelos dominadores franceses no século XVIII, e até pela Prússia. Mesmo assim, nenhum deles conseguiu acabar de vez com a festa popular.
As autoridades não gostavam dos excessos do Carnaval e ainda menos de seu caráter político. O Estado tinha que punir repetidamente aqueles que decidiam continuar celebrando após a Quarta-feira de Cinzas, o que era estritamente proibido. Além disso, acredite se quiser, fantasias de padres e freiras eram populares já no tempo da Reforma Protestante (século XVI), o que, claro, não era nem um pouco bem visto pela Igreja.
Em 1823, a Prússia até criou um comitê com o objetivo de supervisionar e censurar marchinhas e jornais de Carnaval. Mas, para desespero dos prussianos, nem isso acabava com as sátiras ao seu governo. Até hoje, o Kölner Karneval se mantém como uma festa irreverente, e os carros alegóricos frequentemente expressam críticas bem-humoradas a políticas regionais e mundiais.
O Príncipe, a Virgem e o Fazendeiro
Três personagens são muito importantes no Carnaval de Colônia: o Príncipe, a Virgem e o Fazendeiro. Os “Dreigestirn” (três estrelas) estão presente desde 1883, ainda que só tenham sido mencionados em 1938.
O Príncipe Carnaval (antes Herói Carnaval) é a personificação da festa e o mais antigo dos três. Desde 1823, ele é o “governante dos tolos”, sendo entronado pelo próprio prefeito da cidade e se apresentando por último no Rosenmontagszug.
A Virgem, a protetora Mãe Colônia, é sempre incorporada por um homem, uma tradição que vem desde o início do Karneval, quando ainda era uma sociedade exclusivamente masculina. De fato, a Virgem só foi incorporada por uma mulher, em 1938 e 1939, por ordem do governo nazista, que não queria qualquer alusão à homossexualidade.
Já o Fazendeiro representa a defesa da antiga Colônia imperial. Ele carrega um malho em sua mão esquerda, a chave da cidade (que recebe do prefeito) em seu cinto, além de um chapéu de penas, que representa a imortalidade.
Os Dreigestirn são escolhidos todos os anos pelo Comitê de Carnaval. Essa é uma honra com que muitos membros dos Karnevalvereine sonham. O caminho, porém, não é fácil: é preciso mostrar amor pela cidade e pelo evento, além de dispor de tempo e dinheiro para se preparar e cumprir seu papel nas festividades. Da noite para o dia, os três escolhidos se tornam celebridades, aparecendo em programas de TV, rádios e jornais.
Onde celebrar o Carnaval de Colônia e as principais tradições
20/02 – Quinta-feira – Weiberfastnacht (Carnaval das Mulheres*)
À partir das 10h, no Alter Markt há o primeiro encontro de foliões, com presença dos Dreigestirn às 11h. Depois disso, o Carnaval se espalha por todas as ruas e bares de Colônia, sem hora para acabar.
Às 13:30, em frente ao Severinstorsburg, acontece a tradicional performance de “Jan un Griet”, que mistura teatro e marchinhas. Depois, o desfile segue para o monumento de Jan von Werth, no Alter Markt.
*O “Weiberfastnacht” começou na Idade Média e era um dia em que os homens davam o poder às mulheres. Para uma época na qual prevalecia a ideia de que as mulheres deveriam ser submissas aos homens, isso era considerado uma inversão de valores.
21/02 – Sexta-feira
As festas continuam nas ruas e bares, mas muitos ainda estão se recuperando do primeiro dia. Por isso, a maioria prefere guardar energias para voltar à noite. Mas há o Sternmarsch der Kölner Veedelszöch, em que 40 a 50 clubes de Carnaval saem de Heumarkt, Laurenzplatz, Bollwerk e Eisenmarkt e vão até Alter Markt, onde a partir das 18h há vários shows.
22/02 – Sábado
A partir das 10:30, no Neumarkt, você já pode acompanhar o clube de Carnaval mais antigo de todos, o Roten Funken. Além de uma bela apresentação, eles ainda servem cerveja e sopa de graça para os foliões. Isso é, se você conseguir arrumar espaço entre as mais de 10 mil pessoas que comparecem ao evento.
23/02 – Domingo
Quem não puder ver o Rosenmontagszug pode ver o Schull- und Veedelszöch, que é uma versão mais familiar do desfile e que faz quase o mesmo trajeto. Tudo começa às 11:11 da manhã, em Chlodwigplatz, e termina cerca de três horas depois em Möhrenstrasse.
24/02 – Segunda-feira (Rosenmontagszug)
O principal desfile de clubes de Carnaval toma conta do centro da cidade. O desfile começa já às 10h, na Chlodwigplatz, e demora cerca de três horas e meia até a Gereonstrasse, próximo à estação principal. Não esqueça seu saquinho ou mochila para guardar os doces.
25/02 – Terça-feira
A festa continua, mas já se preparando para o fim. À tarde, alguns carros ainda desfilam em alguns bairros, como em Ehrenfeld, Nippes, Deutz e Südstadt. À noite, uma outra tradição acontece: o Nubbelverbrennung, ou a “queima do Nubbel”.
O Nubbel é um boneco de palha, que fica pendurado na frente de muitos bares durante o Carnaval. Ao ser queimado sob cantos e xingamentos, ele nos redime de todos os excessos que cometemos nos dias carnavalescos. Assim, os Jecken podem terminar suas celebrações livres de seus pecados – até o próximo Carnaval.
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Esse foi o nosso pequeno guia sobre o Carnaval de Colônia. Se você estiver na cidade, não se esqueça de gritar “Alaaf” – algo como “viva”, que é repetido para tudo – e curtir bastante a festa. No mais, seja onde for, celebre com moderação e fique ligado no nosso Instagram, pois faremos stories direto de lá. Kölle Alaaf!